“Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar”.
Bertolt Brecht. Nada é impossível de mudar, 1918.
Estamos próximos do período em que realizamos a democracia participativa: as eleições municipais. Em que vamos eleger os gestores municipais que conduzirão a administração pública e a política fiscal a nível subnacional. Nunca fui muito fã do pressuposto helênico que específica o tempo de “reinado” em quatro anos. Por que não dois? Não vejo com frequência discussões acerca isso. Algumas questões realmente são mais nítidas quando esse período se aproxima, a principal delas e a mais engraçada, a meu ver é esta: “onde está meu título?”. Neste texto, trataremos de uma questão não tão clara e ainda mais complexa quando observamos a realidade nordestina, explicando de forma mais clara, vou demonstrar como os gestores elevam a probabilidade de reeleição mediante interferências nos componentes da despesa pública.
Inicialmente, vamos às bases de nossas hipóteses. O primeiro estudo a abordar a influência de indicadores econômicos favoráveis sobre a manutenção de poder de um partido é atribuído a W. Kerr, datado de 1944. Ele propôs uma análise econométrica criteriosa acerca do efeito da renda pessoal sobre a composição de cadeiras governistas no congresso estadunidense1.
O que estamos discutindo evolui a partir do trabalho de dois economistas de alta patente: Nordhaus e Rogoff. O primeiro (1975) detectou o efeito do viés inflacionário das autoridades públicas a partir da oferta de moeda2, um choque rápido que elevaria o nível de preços e promoveria a uma redução momentânea do desemprego, dando validade às expectativas racionais, marteladas nos pressupostos da curva de Phillips, a partir daqui nasce o termo: “ciclos políticos de negócios”. Ou seja, devemos considerar que a economia define o resultado eleitoral e como as eleições ocorrem de forma periódica, a influência das variáveis econômicas se dá de forma cíclica. Rogoff (1990) construiu sua abordagem acerca das decisões do gestor-candidato a partir dos componentes do orçamento público3: receitas e despesas. Reduzir impostos e realizar obras refletem nitidamente como algo positivo para a sociedade. Nesse sentido, os indivíduos estariam dispostos a honrar com o cargo de gestor, aquele que propusesse o maior desequilíbrio fiscal. Essa abordagem teórica ganhou uma alcunha semelhante a de Nordhaus: “ciclos político-orçamentários”.
Para o Nordeste tal realidade não se altera muito, o gestor subnacional não dispõe das metas operacionais para interferir sobre o nível de juros. No entanto, dispõe das transferências do governo central, que no Nordeste, compõem grande parte da receita, haja visto o baixo nível de arrecadação de muitas localidades. Isso é um ponto importante, pois revela que o gestor também perde o instrumento de manipulação via redução da carga tributária. Por exclusão, ele foca na gestão das transferências e aloca os recursos entre as obrigações do município (gasto social), custeio da máquina pública, despesas com pessoal e investimentos. Como pode se visualizar, é uma “sinuca de bico” em termos de estratégia.
Supondo que você seja um candidato à reeleição, irá se deparar com três opções: (i) reeleger-se a partir de gastos visíveis pela sociedade; (ii) reeleger-se mediante a simples confiança e carisma (vocês sabem a que estou me referindo), reduzindo gastos, tendo em vista que você terá que arcar com o orçamento restrito do exercício seguinte e; (iii) simplesmente não tentar se reeleger. Essa última não se tem ainda resultados robustos acerca do sentido da despesa pública. Porém, as duas primeiras são o principal enfoque dos economistas que abordam essa temática. Em termos econométricos, o sinal do parâmetro, se significativo (diferente de zero), nos leva a concordar com a estratégia de reeleição (i) ou (ii).
Para captar esse efeito, estimei um modelo logit. Esses modelos são voltados para a estimativa de probabilidades dado que certas condições são satisfeitas. A característica principal desse tipo de modelo é que a variável dependente é uma dummy que assum apenas dois valores: 1 e 0. Neste exemplo, 1 corresponde ao prefeito que conseguiu a reeleição e 0 para aquele que não conseguiu. Os dados são oriundos da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A partir dos resultados acima, observamos que o resultado primário superavitário é não é bem visto pela sociedade, a probabilidade de reeleição se reduz em 0,0003 para um aumento de uma unidade no resultado primário per capita. Indicando que os indivíduos constroem sua decisão de voto a partir da visibilidade dos gastos, se estão sendo convertidos em benefícios. O lado da receita corrente per capita demonstra o esforço do gestor em captar recursos, o aumento de uma unidade nessa variável se relaciona com um aumento de 0,0004 na probabilidade de reeleição. Este modelo é bem resumido, apenas para apresenta-lo aqui.
KERR, W. A. A quantitative study of political behavior. Journal of Social Psicology, n.19, p. 273−81, 1944.↩︎
NORDHAUS, W. The Political Business Cycle. Review of Economic Studies, n. 42, p. 169-190, 1975.↩︎
ROGOFF, K. Equilibrium political budget cycles. American Economic Review, n. 8, p.21-36, 1990.↩︎