“Calma, vai passar
Espera a tempestade clarear
Os maremotos de química surgem
Bagunçam tua cabeça a todo vapor”
Letra da canção “Maremotos”, Supercombo, 2018.
Entrei rápido demais na minha casa, sentia que meu corpo estava pesado e instável, meu estômago revirava. Como aquilo era possível? Corri para o meu telefone, mas me dei conta que não havia para quem ligar. Eu não estava em casa. Eu não estava em lugar algum. Corri até a porta e eu continuava lá, olhando para mim. Fui até à margem e fiquei estática. Eu sabia onde estava, eu estava do outro lado do rio.1
O outro lado do rio, Alexia Tomásia, 2020.
Recentemente eu tomei coragem pra analisar a PNAD Covid, em minha defesa alego que estava ocupado com trabalho, algumas publicações e um pouco doente também. Mas o que importa é que aqui estou para alegria geral da nação. O tema deste texto é o diagnóstico de depressão no Maranhão, avaliado a partir de características socioeconômicas, como: idade, gênero, renda e escolaridade.
O objetivo da pesquisa do Institudo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é fornecer estimativas fidedignas para os indicadores sobre o mercado de trabalho e mensurar a evolução da Covid-19 no país. Curiosamente, analisando o dicionário de dados, eu vi essa variável: “Já foi diagnosticado com depressão?”. Aí a caixinha de ideias foi aberta e como é uma pesquisa do tipo complexa, ou seja, a amostragem é do tipo aleatória estratificada, há um ferramental2 muito interessante para a construção de modelos robustos e estimar parâmetros bem próximos da realidade.
Primeiramente, vamos ver algumas estimativas mais gerais sobre a variável de interesse:
Estima-se que 1,38% da população do estado já tenha sido diagnosticada com a doença3.
Em termos absolutos essa estimativa fica em torno de 98 mil pessoas.
A distribuição por gênero é de 28,4% para os homens e 71,5% para as mulheres4.
Por grupo idade, os diagnósticos concentram-se na população na população de idade média. Algumas hipóteses podem levar ao estresse provado pela ocupação.
- A maioria é parda, esse gráfico muito provavelmente está sendo influenciado pela demografia maranhense, em que a maioria da população é negra.
Escolhi um modelo de regressão logística porque atende bem para este tipo de análise (estimado com a função svyglm do pacote Survey). Esse modelo é denotado pela seguinte forma funcional:
ln(pi1−pi)=β0+β1X1+...+βnXn
A Odds Ratio ou Razão de Chances, de forma simplista, é dada pela seguinte expressão:
ln(OR)=ln(eβ1)=β1
Para comparação os valores escolhidos como base são: cor branca, escolaridade pós-graduado e gênero masculino. Renda em R$ e idade em anos serão variáveis interpretadas marginalmente.
Variável dependente: | |
Já foi diagnosticado com depressão? | |
Renda (R$) | 0.00000 |
(-0.0001, 0.0001) | |
Idade (em anos) | 0.022** |
(0.001, 0.043) | |
Mulher | 1.219*** |
(0.630, 1.808) | |
Sem Instrução ou Fundamental Incompleto | -0.593 |
(-1.632, 0.446) | |
Fundamental completo ou Médio Incompleto | -0.577 |
(-1.594, 0.439) | |
Médio completo ou Superior Incompleto | -1.014** |
(-1.929, -0.100) | |
Superior completo | -0.923* |
(-1.927, 0.082) | |
Preta | 0.156 |
(-0.727, 1.039) | |
Parda | 0.121 |
(-0.471, 0.713) | |
Constante | -5.116*** |
(-6.693, -3.540) | |
Observações | 4,863 |
Log Likelihood | -389.638 |
Akaike Inf. Crit. | 799.275 |
Note: | p<0.1; p<0.05; p<0.01 |
Estimando a Odds Ratio do modelo acima, os resultados mostram que:
Dinheiro não traz felicidade, porém não há evidência suficiente para negar isso.
O efeito marginal da idade mostra que a cada ano a chance de ser diagnosticado com depressão aumenta 2,23%. Esse parâmetro se alia com a questão da crise de meia-idade ou o abandono do idoso. Como mostrado anteriormente, esse grupo ocupa uma parcela significativa dos diagnósticos.
A chance de uma mulher ser diagnosticada com depressão é 238% maior em relação a um homem. Uma hipóteses que pode dar uma explicação para isso é de que as mulheres são mais diagnosticáveis, seja por uma maior facilidade em falar como se sentem ou pela a ausência de pressão social para que ela apresente um determinado comportamento emocional. Entre os homens, há um forte preconceito com esse tipo de problema, frequentemente associado ao termo “frescura”.
Sobre o nível de escolaridade: indivíduos com ensino médio completo ou superior incompleto apresentam 63,7% menos chance de estar no grupo de diagnosticados em relação aos pós-graduados. A um nível de 10%, indivíduos com ensino superior completo apresentam 60% menos chance em relação ao par definido.
Não foi encontrada significância estatística para as dummies de cor.
Essa exposição foi bem simples, fica aí a dica pra aqueles da psicologia ou áreas afins explorarem essa pesquisa, tem muita coisa relevante e não é sempre que temos uma pesquisa dessa abrangência disponível. Obrigado por ter lido, até a próxima.
Algumas das funções podem ser vistas aqui Análise de microdados da PNAD Contínua.↩︎
Intervalo de confiança (95%) está entre 1,17% a 1,59%.↩︎
Intervalos de confiança (95%): para homens está entre 22,5% a 34,3% e para mulheres entre 65,6% a 77,4%.↩︎