Diagnósticos de depressão no Maranhão: aspectos socioeconômicos
@ Tiago Matos · Sunday, Sep 13, 2020 · 4 minute read · Update at Sep 13, 2020

“Calma, vai passar
Espera a tempestade clarear
Os maremotos de química surgem
Bagunçam tua cabeça a todo vapor”

Letra da canção “Maremotos”, Supercombo, 2018.

Entrei rápido demais na minha casa, sentia que meu corpo estava pesado e instável, meu estômago revirava. Como aquilo era possível? Corri para o meu telefone, mas me dei conta que não havia para quem ligar. Eu não estava em casa. Eu não estava em lugar algum. Corri até a porta e eu continuava lá, olhando para mim. Fui até à margem e fiquei estática. Eu sabia onde estava, eu estava do outro lado do rio.1

O outro lado do rio, Alexia Tomásia, 2020.

Recentemente eu tomei coragem pra analisar a PNAD Covid, em minha defesa alego que estava ocupado com trabalho, algumas publicações e um pouco doente também. Mas o que importa é que aqui estou para alegria geral da nação. O tema deste texto é o diagnóstico de depressão no Maranhão, avaliado a partir de características socioeconômicas, como: idade, gênero, renda e escolaridade.

O objetivo da pesquisa do Institudo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é fornecer estimativas fidedignas para os indicadores sobre o mercado de trabalho e mensurar a evolução da Covid-19 no país. Curiosamente, analisando o dicionário de dados, eu vi essa variável: “Já foi diagnosticado com depressão?”. Aí a caixinha de ideias foi aberta e como é uma pesquisa do tipo complexa, ou seja, a amostragem é do tipo aleatória estratificada, há um ferramental2 muito interessante para a construção de modelos robustos e estimar parâmetros bem próximos da realidade.

Primeiramente, vamos ver algumas estimativas mais gerais sobre a variável de interesse:

  1. Estima-se que 1,38% da população do estado já tenha sido diagnosticada com a doença3.

  2. Em termos absolutos essa estimativa fica em torno de 98 mil pessoas.

  3. A distribuição por gênero é de 28,4% para os homens e 71,5% para as mulheres4.

  4. Por grupo idade, os diagnósticos concentram-se na população na população de idade média. Algumas hipóteses podem levar ao estresse provado pela ocupação.

  1. A maioria é parda, esse gráfico muito provavelmente está sendo influenciado pela demografia maranhense, em que a maioria da população é negra.

Escolhi um modelo de regressão logística porque atende bem para este tipo de análise (estimado com a função svyglm do pacote Survey). Esse modelo é denotado pela seguinte forma funcional:

ln(pi1pi)=β0+β1X1+...+βnXn

A Odds Ratio ou Razão de Chances, de forma simplista, é dada pela seguinte expressão:

ln(OR)=ln(eβ1)=β1

OR(β1)=eβ1

Para comparação os valores escolhidos como base são: cor branca, escolaridade pós-graduado e gênero masculino. Renda em R$ e idade em anos serão variáveis interpretadas marginalmente.

Regressão Logística
Variável dependente:
Já foi diagnosticado com depressão?
Renda (R$) 0.00000
(-0.0001, 0.0001)
Idade (em anos) 0.022**
(0.001, 0.043)
Mulher 1.219***
(0.630, 1.808)
Sem Instrução ou Fundamental Incompleto -0.593
(-1.632, 0.446)
Fundamental completo ou Médio Incompleto -0.577
(-1.594, 0.439)
Médio completo ou Superior Incompleto -1.014**
(-1.929, -0.100)
Superior completo -0.923*
(-1.927, 0.082)
Preta 0.156
(-0.727, 1.039)
Parda 0.121
(-0.471, 0.713)
Constante -5.116***
(-6.693, -3.540)
Observações 4,863
Log Likelihood -389.638
Akaike Inf. Crit. 799.275
Note: p<0.1; p<0.05; p<0.01

Estimando a Odds Ratio do modelo acima, os resultados mostram que:

  1. Dinheiro não traz felicidade, porém não há evidência suficiente para negar isso.

  2. O efeito marginal da idade mostra que a cada ano a chance de ser diagnosticado com depressão aumenta 2,23%. Esse parâmetro se alia com a questão da crise de meia-idade ou o abandono do idoso. Como mostrado anteriormente, esse grupo ocupa uma parcela significativa dos diagnósticos.

  3. A chance de uma mulher ser diagnosticada com depressão é 238% maior em relação a um homem. Uma hipóteses que pode dar uma explicação para isso é de que as mulheres são mais diagnosticáveis, seja por uma maior facilidade em falar como se sentem ou pela a ausência de pressão social para que ela apresente um determinado comportamento emocional. Entre os homens, há um forte preconceito com esse tipo de problema, frequentemente associado ao termo “frescura”.

  4. Sobre o nível de escolaridade: indivíduos com ensino médio completo ou superior incompleto apresentam 63,7% menos chance de estar no grupo de diagnosticados em relação aos pós-graduados. A um nível de 10%, indivíduos com ensino superior completo apresentam 60% menos chance em relação ao par definido.

  5. Não foi encontrada significância estatística para as dummies de cor.

Essa exposição foi bem simples, fica aí a dica pra aqueles da psicologia ou áreas afins explorarem essa pesquisa, tem muita coisa relevante e não é sempre que temos uma pesquisa dessa abrangência disponível. Obrigado por ter lido, até a próxima.


  1. O outro lado do rio↩︎

  2. Algumas das funções podem ser vistas aqui Análise de microdados da PNAD Contínua.↩︎

  3. Intervalo de confiança (95%) está entre 1,17% a 1,59%.↩︎

  4. Intervalos de confiança (95%): para homens está entre 22,5% a 34,3% e para mulheres entre 65,6% a 77,4%.↩︎